No início desse mês terminei a minha primeira leitura de um autor ucraniano e, conforme prometido, vim aqui compartilhar mais uma experiência de imersão na cultura ucraniana (filosofei agora hein!). Escolhi “O Mestre e Margarida” para começar minha jornada na literatura ucraniana simplesmente porque ele é considerado um dos mais importantes e cultuados livros do século XX. Ele está na lista de livros favoritos de David Bowie, Patti Smith, Daniel Radcliffe (eterno Harry Potter) e inspirou Mick Jagger a compor “Sympathy for the Devil”, um clássico do rock. Franz Ferdinand e Pearl Jam também têm músicas inspiradas nessa história.
Há algumas semanas assisti o filme Battle for Sevastopol (2015) que conta a história da ucraniana Lyudmila Pavlichenko, uma sniper do exército soviético na Segunda Guerra Mundial. Ela era conhecida pelo “singelo” apelido de Lady Death, graças à quantidade de mortos em seu caderninho de anotações. Não vou dar spoiler sobre o número de pessoas que ela matou para despertar sua curiosidade e aconselho a NÃO ler nada na Wikipedia simplesmente porque tudo que está lá acontece no filme, então é melhor assistí-lo na completa ignorância como eu assisti.
Já escrevi alguns posts sobre a Ucrânia no cinema, mas ainda não tinha falado sobre esse clássico do cinema mundial. Esse filme entrou na minha vida quando eu tinha uns 15 ou 16 anos de idade e não sabia nem apontar a Ucrânia no mapa. Meu pai pegou esse filme na locadora pra mim (e nem era DVD, era VHS mesmo) porque eu estava numa fase meio apaixonada pelos filmes do Charles Chaplin. Clássico, mudo e preto e branco? Check. Agora advinha se eu tive paciência para assistir? Lógico que não. O filme nem é longo nem nada, mas me faltava maturidade mesmo. Afinal, ele está bem longe de ser engraçadinho como os filmes do Chaplin.
Corta para 20 anos depois e eu mais madura, morando na Ucrânia e com viagem marcada para Odessa, cidade onde se passa a história. Momento perfeito para dar uma segunda chance para a película, ainda mais agora que o You Tube está aí para facilitar a vida da gente. E agora sim, tudo fez sentido e eu entendi o grande motivo desse filme ser um clássico do cinema mundial. A famosa sequência da escadaria é realmente FAN-TÁS-TI-CA. Especialmente quando você lembra que esse filme foi lançado em 1925. O diretor Sergei Eisenstein conseguiu transmitir a sensação de desespero de forma fenomenal. E agora todas as cenas clássicas de escada me fazem pensar que é uma referência a esse filme. Sério, se você gosta de cinema, precisa sentar e prestar atenção nele e em todos os símbolos usados para passar a mensagem que o diretor quis passar.
Para fechar nossa primeira road trip pelo leste europeu com chave de ouro, visitamos o lugar mais famoso da Ucrânia: Chernobyl. Foi lá que aconteceu o maior acidente nuclear de todos os tempos. Na madrugada do dia 26 de abril de 1986, houve uma explosão no reator número 4 da usina de Chernobyl gerando uma nuvem radioativa que se espalhou por toda a Europa. Em 2005, o governo da Ucrânia autorizou que fossem realizadas visitas monitoradas à zona de exclusão que compreende a área da usina e a cidade de Prypiat, onde moravam os trabalhadores da usina e suas famílias. “Mas Alê, não é muito perigoso visitar essa área?” Bom, aprendi que o nosso corpo suporta uma certa quantidade de radiação por um tempo limitado. Por isso os tours por Chernobyl duram no máximo dois dias. Nós pegamos o tour privado de um dia porque achamos que não haveria tour em grupo numa quinta-feira, mas descobrimos que tinha sim. #fail O tour privado custa bem mais caro, mesmo indo no nosso carro, então não cometa o mesmo erro que nós cometemos caso você queira ir à Chernobyl.
Yevgeny Khaldei foi um importante fotógrafo da União Soviética. Ele nasceu em Donetsk em 1917 e era judeu. Fotógrafo autodidata, fabricou sua primeira câmera com papelão e as lentes dos óculos de sua avó. Contratado pela agência de notícias soviética Tass, cobriu a Segunda Guerra Mundial desde a abertura da frente russa em 1941. Acompanhou o avanço do Exército Vermelho pelas regiões da Crimeia, dos Balcãs, da Hungria e da Romênia até chegar a Berlim, onde registrou o momento que um soldado içava a bandeira vermelha sobre as ruínas do Reichstag. Porém, essa cena não foi espontânea: Khaldei convenceu dois soldados a içar uma bandeira feita por seu tio com uma toalha de mesa. Ele se inspirou numa fotografia de Joe Rosenthal e sua intenção era glorificar as tropas soviéticas. A imagem rodou o mundo, mesmo retocada para eliminar alguns detalhes (relógios que denunciavam as pilhagens de corpos em Berlim) e incluir fumaça no horizonte para criar um efeito de batalha, quando na realidade Hitler já estava morto há 2 dias.
Andrei Tarkovsky foi um famoso cineasta russo, descendente de ucranianos. Seu pai, Arseny Alexandrovich Tarkovsky, nasceu na Ucrânia e foi um dos mais importantes poetas da União Soviética, e seu avô, Aleksander Tarkowski, tinha origem polonesa. Ou seja, todos frutos do Leste Europeu. Além disso, Andrei Tarkovsky trabalhou um tempo em Odessa e o seu primeiro filme, “Ivan’s Childhood” teve algumas cenas gravadas na Ucrânia (na Criméia e próximo à cidade de Kaniv). Esse filme rendeu ao cineasta um Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1962.
E como o avô do Tarkovsky foi parar na Ucrânia? Bom, ele tinha uma irmã, Nadia Tarkowska, que se casou com um ucraniano chamado Ivan Karpovych Tobilevych. Eles se conheceram nos ensaios de uma peça do Tarasa Shevchenka ou Taras Shevchenko, famoso poeta ucraniano. Eles se casaram contra a vontade dos pais do noivo e tiveram dois filhos que receberam os nomes dos heróis da peça de Shevchenko, Nazar e Halia. Quando os pais de Nadia faleceram, ela e o marido tiveram que tomar conta de seus irmãos e irmãs mais novos, entre eles, Aleksander (avô de Tarkovsky). Então, o avô do Tarkovsky é meio que ucraniano, já que ele viveu boa parte de sua vida aqui. E Tarkovsky poderia ter nascido na Ucrânia, mas nasceu na Rússia porque seu pai se mudou para lá em 1924 e por lá viveu até sua morte.