Ando sumida do blog porque a vida anda bem movimentada esse ano e tenho viajado bastante. Ainda nem tinha terminado de editar as fotos de Moscou e tive que viajar de novo para passar três semanas no Brasil e encerrar um ciclo da minha vida. Fui dizer um grande adeus à administração pública brasileira. Não vou entrar nos pormenores do processo para poupar vocês da chatice, mas o fato é que estou muito feliz que agora a fotografia é oficialmente a minha profissão.
Tem gente que não suporta mudar, eu adoro. Como diria Bowie, “Ch-ch-ch-ch-changes! Turn and face the strange”. Acho que tenho um espírito meio cigano. A ideia de passar 30 anos trabalhando no mesmo lugar nunca me agradou. Nunca comprometi meu dinheiro pagando financiamento de imóvel porque tenho pavor de prestação. Ficar um longo período morando no mesmo lugar? No, thanks. Levei 33 anos pra mudar de cidade, mas mudei. Antes tarde do que nunca.
Meu único vínculo com o Brasil agora são os familiares e os amigos. Foi a primeira vez que voltei sozinha e fiquei hospedada na casa dos meus pais. Foi bom poder passar um tempo com eles, comer a comida da minha mãe, assistir os jogos da copa, encontrar os amigos antigos e novos (encontrei em Brasília amigos que fiz em Kiev!). Deu tempo de fotografar um pouco também e compartilho alguns registros da minha cidade com vocês. Fotografei com uma lente que não costumo usar muito porque ela é lenta para focar, mas é boa para fotografar arquitetura porque não distorce muito as linhas.
Esse dia eu saí com um amigo porque fico apreensiva de sair com a câmera sozinha por lá e tivemos que dar umas desviadas de umas pessoas suspeitas. Essa é uma sensação que não faz mais parte da minha vida e da qual não tenho nenhuma saudade. Ser mulher no Brasil é tão mais difícil… Toda vez que eu pegava o uber, já entrava no carro com os alertas ligados e tinha que sempre mandar mensagem pra minha mãe com o nome do motorista e a placa do carro. Por duas vezes peguei motoristas do sexo feminino e automaticamente senti um alívio. Comentei isso com a primeira delas e ela disse “não deveria ser assim neh?”. Não deveria mesmo, mas infelizmente, é.
Senti uma vibe pesada no ar, por mais que estivesse no meio da copa. A TV na casa da minha mãe estava sempre ligada transmitindo só desgraça, novelas péssimas ou os jogos da copa. As pessoas estão todas meio desiludidas, meio sem esperança, meio zumbis. Eu não assisto TV há muito tempo, então foi bem estranho ter ela tão presente assim durante essas três semanas.
Depois de quase 4 anos morando fora, sinto que não faço mais parte daquela atmosfera. Sinto uma saudade saudável das pessoas. Hoje em dia dá pra manter contato mais fácil por conta da internet. Mas toda vez que vou pro Brasil, tenho que ficar me desdobrando para conseguir encontrar todo mundo e é meio cansativo. Percebo que as pessoas não se encontram mais, mesmo que morem na mesma cidade. A internet dá essa falsa sensação de que as pessoas estão próximas e aí elas nunca combinam de se encontrar. Me pergunto se elas estão se dando conta disso. Tão longe, tão perto feelings.
Sei que a grana está curta pra muita gente e percebi que poucas pessoas quiseram sair para algum restaurante ou café e preferiram me encontrar em casa. Isso não é problema nenhum pra mim, adoro quando as pessoas me convidam pras suas casas, mas acaba sendo um reflexo da situação econômica também. Qualquer saidinha acaba saindo bem pesada no orçamento de muita gente. Porém, a natureza nunca decepciona e é de graça. Chama um amigo, vai caminhar, senta embaixo do bloco, fala sobre a vida. Brasília é um museu gratuito a céu aberto, não tem neve nem frio pra dificultar sair na rua. Tem um pôr do sol incrível, horizonte e o “céu azul de nuvens doidas”. A natureza sempre te abraça, basta estar aberto para receber esse carinho.
Adoro viver Brasília como uma turista. Poder almoçar fora do horário de pico, caminhar no fim da tarde enquanto as pessoas estão trabalhando, poder evitar os horários de muito trânsito. Enfim, ver a cidade de uma perspectiva completamente diferente da que eu via enquanto morava lá e vivenciar só as delícias da capital federal, alheia a todos os problemas. Espero ter conseguido captar em imagens a parte suave dessa experiência, a que eu realmente quero guardar na memória.
Ale,
essa coisa de encarar a própria cidade como turista é um desafio pra quem ainda mora nela. Ainda mais em tempos de climas pesados, como você sentiu no ar. Me chamou atenção sua insegurança sobre sair com a câmera, porque isso é um problema constante pra mim. Que me deixa frustrada e ansiosa.
Oi Mell, tente olhar sua cidade com olhos de turista porque é um desafio muito legal para quem fotografa. No curso de fotografia que fiz em 2007, as aulas práticas incentivavam muito isso e eu aprendi demais. Quanto ao problema de sair com a câmera, procure sair em grupo ou com um homem que não esteja fotografando, tipo um guarda-costas mesmo. No dia que fiz essas fotos tinha duas meninas fazendo um ensaio na mesma quadra. Como Brasília tem uns espaços amplos, dá para perceber se tem alguém suspeito se aproximando e cair fora.
essas fotos estão muito lindas, alê! qual lente você usou? fiquei curiosa com esse negócio de não destorcer muito as linhas! saudades de bsb e pena não poder te visitar quando esteve por lá (tô sofrendo aqui com a situação das contas apertadas, embora as coisas estejam melhorando um pouco nos últimos meses). me vi em muito do que você disse no post. essa sensação estranha, insegurança e etc, não é apenas porque veio passar uns dias aqui (depois de acostumada com a vida morando fora) é mais uma sensação presente mesmo. parece que cada vez fica tudo mais difícil, complicado. mas… enfim, né? amei esse post e fico feliz que tenha finalizado sua fase na antiga profissão para se dedicar apenas à fotografia <3 beijos!
distorcer*** ops! HAHA
Obrigada, Kah! Um elogio vindo de alguém tão talentosa significa muitíssimo! Usei uma lente 60mm da Fuji. Fico feliz que as coisas estejam melhorando financeiramente. 🙂 Concordo que essa sensação é presente desde sempre, mas acho que estou mais sensível porque desacostumei disso. Mudando de assunto, como assim você voltou com o blog e eu nem sabia! :-O Agora tenho um bilhão de posts pra ler haha
Adoro seus textos, Ale (e nem preciso dizer as fotos né?). Eu ainda nem consegui digerir meus sentimentos sobre meus dias no Brasil. Sei bem do que você está falando, o clima pesado, a insegurança… E meu deus do céu a televisão! Acho que foi a parte mais deprê… Estava lá quando deu merda de Dr. BumBum, de Beach Park, e só se falava de morte na tv, da uma agonia horrorosa.
E você fechou um ciclo, de uma vida de estabilidade absurda que nem combinava com sua sede de mudanças camaoleônicas bowianas <3 Eu sempre acredito que "rituais" de encerramento nos abrem para coisas novas, e eu tenho certeza que o que vem por aí pra você vai ser maravilhoso, como você merece <3 Beijos!
Adoro teus textos também, Gabi! E depois que te conheci pessoalmente consigo ouvir tua voz ao ler e me pego dando umas gargalhadas com umas coisas que você escreve ahahhaha E cara, que bom que não é coisa da minha cabeça a sensação do clima pesado e da programação escrota da TV brasileira. Me pergunto como as pessoas ainda assistem TV. Pelo menos ainda passa Chaves no SBT.
Eu acredito tb nos rituais de encerramento, é a morte de algo que não faz mais sentido dando espaço para algo novo nascer. E você anda vivendo mudanças bem legais também neh! Obrigada demais por sempre aparecer aqui e deixar umas palavras carinhosas. Beijos!
so many feelings ♥ e isso das pessoas não se encontrarem mais é muito real. o bizarro é que muitas vezes a gente nota que não é nem por dinheiro. parece que o povo não tem mais o menor interesse pelo contato com os amigos. movem mundos pra irem em baladas e shows (e tudo bem!) mas quando é pra sentar no banquinho da praça pra jogar conversa fora com algum amigo ai já é pedir demais. quando foi que as pessoas decidiram que o contato pela internet se tornou suficiente? e falo isso considerando que eu sou super caseira e muitas vezes pago pra não sair de casa. só que eu sinto falta dessa interação toda, até mesmo na internet. ainda esses dias falei com umas amigas sobre nos encontrarmos. a gente meio que cresce achando que precisa estar sobrando dinheiro pra fazer coisas mais elaboradas sendo que uma tarde numa praça dividindo a garrafinha de água já é uma coisa super gostosa de se fazer. aliás, acho que normalmente nesses momentos é que a gente realmente sente esse contato todo e se pergunta o motivo de não fazer mais vezes. anyway, me empolguei aqui! HAHA
Ai Ba, tão triste neh? É muito “black mirror” isso! O contato só pela internet nunca vai substituir o olho no olho, um abraço gostoso, o som de uma risada. As pessoas estão perdendo a capacidade de se comunicar e se enganando achando que estão se comunicando pra caramba pela internet. E olha, pode se empolgar. Tá liberado escrever muito desde que seja para somar. Odeio essa negócio de microblog, por isso tenho blog. Obrigada por sempre aparecer por aqui também e conversar comigo virtualmente. :-**
Alê, você tem razão no que tange às pessoas terem essa falsa sensação de proximidade por causa da internet. Muitas vezes, quando vou ao Brasil, acabo conseguindo juntar amigos que não se viam pessoalmente desde a minha última ida ao Brasil, sabe? E sim, essa coisa da grana curta, da insegurança, da instabilidade, esses sentimentos já estavam lá quando fui da última vez. É triste mesmo. Mas, ao contrário de você, ainda sinto uma conexão forte com o Brasil e sinto necessidade de acompanhar o que tá acontecendo, consumir música brasileira, comida, etc, rs. Muito boa sorte na próxima etapa da sua vida e sucesso na carreira oficial de fotógrafa!
Menina, aconteceu exatamente A MESMA COISA comigo. Falei pra meus amigos, “vocês moram na mesma cidade! é preciso que eu atravesse o oceano para fazer vocês se encontrarem?!”. Não me entenda mal, ainda sinto uma conexão forte com o Brasil no sentido cultural, mas não faço mais parte daquele lifestyle brasiliense sabe? Muito obrigada pelo desejo de boa sorte! Good vibes são sempre bem vindas. <3
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