Cotidiano, Cultura, Kiev

Eurovision e as Polêmicas

May 8, 2017

Ontem aconteceu em frente ao Mariyinsky Palace a cerimônia de abertura do Eurovision, a maior competição musical da Europa que acontece todo ano, cada vez em um país diferente. A edição deste ano está sendo realizada na Ucrânia, pois a cantora ucraniana Jamala venceu a competição no ano passado e Kiev foi a cidade escolhida para receber esse evento que é transmitido pela TV e pela internet para todos os países da Europa. Clique aqui para ler o post que escrevi no ano passado sobre a vitória de Jamala e a polêmica por conta da música que ela apresentou.

A partir do momento que fiquei sabendo que Jamala havia vencido a competição e que o evento seria realizado na Ucrânia esse ano, eu sabia que ele viria acompanhado de polêmicas. Dito e feito. A Rússia não ficou nada satisfeita por seu representante ter perdido a competição para uma artista ucraniana e chegou a propor um boicote ao evento desse ano. No fim das contas, o país resolveu participar da competição, mas a artista escolhida para representar o país gerou a primeira polêmica, que resultou na não participação da Rússia no Eurovision 2017. Agora senta que lá vem história, pois vou explicar porquê isso aconteceu.

Desde a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, a Ucrânia criou uma lei que exige que os artistas que desejem visitar a península necessitam de uma permissão especial das autoridades ucranianas. Sem essa permissão, o artista que visita a Crimeia é automaticamente banido da Ucrânia e seu trabalho não poder ser veiculado nas rádios e TV do país. Dito isso, a artista escolhida para representar a Rússia no Eurovision 2017 é justamente uma das artistas banidas de acordo com a lei ucraniana, já que ela se aprensentou na Crimeia sem a tal permissão em junho de 2015. Aí pronto, o circo estava armado… Isso gerou um incoveniente para a organização do evento que fez o possível para contornar a situação.

Mas a história não para por aí! O slogan do Eurovision esse ano é “celebre a diversidade” e a cantora Yulia Samoylova usa uma cadeira de rodas para se locomover, pois é portadora de necessidade especial. Alguma dúvida de que isso foi usado pela Rússia para tornar a situação ainda mais incoveniente? Bem, os organizadores do Eurovision sugeriram que a Rússia substituísse Yulia por outro artista ou que sua apresentação fosse transmitida online, mas o país decidiu não participar do evento e cancelou sua transmissão na TV russa.

A outra polêmica tem relação direta com um assunto que é super tabu por aqui. A foto que abre esse post é do arco da amizade entre as nações (Арка Дружби Народів) que estava sendo preparado para o Eurovision. O monumento soviético seria transformado em arco da diversidade com adesivos coloridos formando um arco-íris, símbolo da comunidade LGBTQI. Porém, o trabalho foi interrompido no final de abril por conta de protestos anti-gay de um grupo de extrema-direita. Segundo eles, “o simbolismo pervertido que estragou as cores do arco-íris provocou indignação entre os ucranianos com valores tradicionais”. Ficou faltando colorir um pedacinho do arco que será coberto com motivos tradicionais ucranianos, segundo Vitali Klitschko, prefeito de Kiev.

Li uma matéria sobre a questão da diversidade na Ucrânia e um ativista ucraniano pelos direitos humanos entrevistado nessa matéria disse que a população precisa saber que a diversidade existe para então respeitá-la. Outra ativista comentou que ainda é bem difícil ser diferente da maioria na Ucrânia. Pessoas com necessidades especiais, pais com carrinhos de bebê enfrentam problemas para se locomover pelas cidades. As minorias étnicas sofrem com estereótipos e os gays precisam esconder sua sexualidade para evitar bullying. Essa herança da União Soviética que moldou várias gerações fez com que os ucranianos ficassem acostumados ao fato de que todos eram mais ou menos parecidos e qualquer pessoa diferente faz com que eles saiam de sua zona de conforto.

Zoryan Kis, um dos membros criadores da ONG Kyiv Pride diz que o slogan do Eurovision é importante porque a diversidade é um tema que a Ucrânia precisa muito discutir para mudar e formar uma nova identidade. Um mapa de restaurantes, bares, cafés e lojas LGBTQI friendly foi organizado pelos membros da Kyiv Pride para auxiliar os visitantes que fazem parte da comunidade gay. Segundo Zoryan, há lugares onde os funcionários se recusam a servir pessoas LGBTQI. Porém, ele afirmou que as pessoas em Kiev costumam ser mais tolerantes em relação aos estrangeiros.

Do meu ponto de vista, acredito que muitas vezes os ucranianos tenham até dificuldade para identificar quem é gay do tanto que isso está fora da realidade deles. Enfim, espero que o Eurovision abra portas para debates sobre diversidade porque a Ucrânia ainda tem um longo caminho a percorrer em relação aos assuntos comentados nesse post. Espero também que o evento seja um sucesso e que não ocorra mais nenhuma polêmica. Caminhei pela cidade ontem e o clima era de pura alegria, até porque foi um belo domingo de sol com temperatura de 27 graus. Algumas fan zones foram montadas em diferentes pontos da cidade e acontecem atividades durante essa semana toda. Quem faz parte do time dos que preferem evitar a fadiga, pode assistir as apresentações em casa mesmo, pela TV ou pelo canal do Eurovision no You Tube. Alguém aí vai acompanhar? Conta pra mim nos comentários.

You Might Also Like

  • Lolla May 9, 2017 at 11:39 pm

    Eu não fazia idéia da quantidade de treta de bastidores esse ano, muito menos de que natureza. Estou chocada. Acho essas divisões e brigas entre países uma coisa tristíssima, que vai contra a premissa básica de eventos como esses que reúnem diversas nações e celebram a integração – ainda mais no atual clima socio-político europeu. Linda a idéia do arco-íris e espero que a situação seja resolvida sem maior stress; uma pena que a yulia tenha perdido a chance de se apresentar. Eu acho o Eurovision divertidíssimo, assisto sempre que posso nem que seja só pra ver qual vergonha alheia a Inglaterra vai passar. 😀 Aproveite o clima festivo e tomara que (bafos à parte) o evento seja um sucesso e sirva pra difundir os conceitos de tolerância e diversidade por aí. ♥

    • Alessandra Araújo May 11, 2017 at 11:21 am

      Também acho essas divisões e brigas muito triste… Ao mesmo tempo eu entendo que mudar uma cultura não é assim tão simples. Uma pena que a Rússia tem essa postura e a artista esteja sendo usada para mandar recados para o ocidente. O clima é festivo e tenso ao mesmo tempo. Rola um medo de algum ataque e eu estou esperando acabar o evento para sair de casa tranquila. Desejo que os conceitos de tolerância e diversidade sejam difundidos aqui e no mundo. Beijos.

  • Flávia Donohoe May 16, 2017 at 11:26 am

    Já assisti a algumas apresentações, e acho um dos programas/concursos mais válidos, pois tenta a integração entre os povos, infelizmente nem todos levam tão a sério, deve ser triste uma nação passar por tantas coisas e ainda ter que enfrentar problemas desse tipo, e tretas tem em todos os concursos praticamente! E achei um máximo que foi a primeira vez que Portugal ganhou a competição.

    • Alessandra Araújo May 25, 2017 at 3:32 pm

      Oi Flávia! Pois é, tudo aqui é motivo pra treta entre Rússia e Ucrânia… Também achei legal que Portugal venceu pela primeira vez (e claro que já li gente escrevendo besteiras por conta dessa vitória…).

  • Taís May 17, 2017 at 11:00 pm

    Quanta treta, Ale!!
    Adorei que você abordou esse tema aqui e contou mais do que rolou nessa edição por ai. Eu acompanhei a primeira semi-final.. mas como fui estava em Amsterdam na final acabei não assistindo

    • Alessandra Araújo May 25, 2017 at 3:33 pm

      Tem no you tube caso você tenha paciência para assistir hehe. Eu não consegui assistir no dia porque acho que deu congestionamento no you tube.

  • FERNANDA SANTOS DOURADO May 20, 2017 at 11:51 pm

    E as músicas são legais??

    • Alessandra Araújo May 25, 2017 at 3:45 pm

      Algumas sim, outras não. Mas é bem mais pro pop, então pra quem não gosta de pop, vai ser tudo ruim haha Os artistas costumam ser conhecidos em seus próprios países e o Eurovision é uma oportunidade para o restante da Europa conhecê-los.

  • Gabi May 23, 2017 at 11:03 am

    Eu queria muito ter acompanhado o eurovision, era um dos meus projetos de primeiro ano morando na Europa hahaha.. Mas aí acredita que esqueci?! hahaha.. muito focada no projeto, né rs…

    Ale, você me manda por favor um email no gabrielatmilan@gmail.com ? Assim te respondo com as dicas de Berna 🙂
    Beijos!

    • Alessandra Araújo May 26, 2017 at 11:53 am

      Eu pretendia ir lá, mas aí não queria ir sozinha e não encontrei ninguém pra ir comigo (marido não queria ir). Daí semana passada jantei com uma amiga alemã e ela foi com uns amigos que estavam visitando Kiev e eu total esqueci de perguntar se ela ia! Affe, se eu soubesse teria ido junto. Uma amiga que mora na Noruega me mandou mensagem perguntando se eu estava lá porque ela viu uma bandeira do Brasil e pensou que era eu hahahha

      Obrigada pelas dicas! Beijão.

  • Nath May 24, 2017 at 9:23 am

    Que radical esse negócio de banir os artistas.
    Eu vi várias pessoas no tumblr falando do eurosivion, e eu nem sabia o que era issoa té ano passado hahaha
    Gostei muito deste post! É incrível como ainda tem muitos países com as mesmas tretas de sempre :/

    Beijos

    • Alessandra Araújo May 26, 2017 at 11:56 am

      Pois é, a treta entre Rússia e Ucrânia é grande e antiga. Fico feliz que tenha gostado do post, Nath! Obrigada por comentar. Beijos.