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Road Trip Leste Europeu 1: Chernobyl/Prypiat

October 22, 2015

Para fechar nossa primeira road trip pelo leste europeu com chave de ouro, visitamos o lugar mais famoso da Ucrânia: Chernobyl. Foi lá que aconteceu o maior acidente nuclear de todos os tempos. Na madrugada do dia 26 de abril de 1986, houve uma explosão no reator número 4 da usina de Chernobyl gerando uma nuvem radioativa que se espalhou por toda a Europa. Em 2005, o governo da Ucrânia autorizou que fossem realizadas visitas monitoradas à zona de exclusão que compreende a área da usina e a cidade de Prypiat, onde moravam os trabalhadores da usina e suas famílias. “Mas Alê, não é muito perigoso visitar essa área?” Bom, aprendi que o nosso corpo suporta uma certa quantidade de radiação por um tempo limitado. Por isso os tours por Chernobyl duram no máximo dois dias. Nós pegamos o tour privado de um dia porque achamos que não haveria tour em grupo numa quinta-feira, mas descobrimos que tinha sim. #fail O tour privado custa bem mais caro, mesmo indo no nosso carro, então não cometa o mesmo erro que nós cometemos caso você queira ir à Chernobyl.

Só é possível fazer esse tour com uma agência, pois eles possuem todas as autorizações necessárias para entrar na zona de exclusão. Você só precisa dar seu nome completo e dados do seu passaporte e eles organizam tudo. A agência responsável pelo nosso tour foi a Solo East Travel e nós nos encontramos às 8 da manhã em frente a um hotel localizado na Maidan Nezalezhnosti. Antes de saírmos, um dos guias nos mostrou o aparelho que mede o nível de radiação e ele marcava 0.13 micro Sievert no centro da cidade (nível considerado seguro). Além disso, ele perguntou se alguém era vegetariano, pois ele teria que informar aos funcionários locais para que eles providenciassem nosso almoço, já que não é permitido levar nenhum tipo de alimento para a área de exclusão. Recebemos um papel com algumas orientações e uma delas era: use roupas e sapatos que protejam ao máximo seu corpo, cabeça, mãos e pés. Por conta dessa orientação, fiquei um bom tempo de capuz, mas depois de um tempo eu não estava mais suportando o calor e arranquei o casaco. O fato do guia que acompanhou a gente não estar usando casaco e me responder que visita Chernobyl há 12 anos me tranquilizou um bocado.

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Chernobyl fica a 150km de Kiev e chegamos lá por volta das 10 da manhã. Logo que chegamos, eu ainda estava meio tensa (mesmo sabendo que é seguro visitar o local) e comecei a sentir dor de cabeça. Tudo culpa das orientações que eu tinha acabado de ler (não toque em nada! não toque em NADA!), mas depois eu relaxei, era psicológico. O guia fotografou a gente em frente à placa de Chernobyl e as fotos acima são das plaquinhas das cidades e vilas que foram evacuadas por conta da radiação. Abaixo, um monumento em homenagem “àqueles que salvaram o mundo” e um dos robôs utilizados na limpeza da usina número 4. A maioria das máquinas e intrumentos que foram usados para limpar a radiação está enterrada na área de exclusão e esses que estão expostos foram devidamente descontaminados._DSF7215

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Voltamos para o carro e seguimos rumo ao radar de inteligência militar Duga-3. A estrutura gigantesca é um sistema que alertaria antecipadamente caso fosse lançado um míssil em direção à União Soviética. Esse radar foi apelidado de “pica-pau russo” por conta do som que a interferência de seu sinal gerava em aparelhos de rádio e TV por todo o mundo durante o período entre julho de 1976 e dezembro de 1989. Claro que o espírito de macaco do meu marido ficou todo assanhado quando viu aquela estrutura enorme e resolveu subir, mesmo sob meu olhar de reprovação (que nunca tem nenhum efeito, diga-se de passagem). Portanto, a foto do Daniel subindo a escadinha não é de minha autoria, pois já comentei antes que sou franga e tenho medo de altura.

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E essa fofurinha que a gente encontrou lá junto com a mãe? Mesmo cheio de sarna, tocou meu coração. Mas é proibido levar qualquer coisa da área de exclusão, então nada de querer adotar nenhum bichinho de Chernobyl tah? “Nossa, mas existe vida em Chernobyl?” A resposta é sim. Há pessoas que moram e pessoas que trabalham lá, além de toda a fauna e flora local. As pessoas que vivem lá são idosos que não quiseram se mudar e eles são submetidos a testes de tempos em tempos. Já as pessoas que trabalham no local, o fazem por escalas. Quanto aos animais que habitam a zona de exclusão, você pode ler mais detalhes nesse artigo muito interessante.

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A próxima parada foi o jardim de infância e a foto que abre esse post foi feita lá. Apesar de parecer que passou um furacão destruindo tudo por ali, eu não me senti mal nesse lugar porque sei que não morreu ninguém lá. De acordo com nosso guia, as coisas por ali não foram destruídas apenas pelo efeito do tempo ou da radiação, mas também por conta de pessoas que saquearam o local. Outra informação decepcionante é que há rumores de que os sapatinhos de criança e os brinquedos espalhados pelos ambientes são colocados pelos guias para dar um toque dramático ao cenário.

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Eu li sobre o acidente de Chernobyl quando era adolescente e nunca nem sequer passou pela minha cabeça que um dia eu estaria do lado daquele reator. Pois bem, olha nós aí a alguns metros do famigerado reator número 4! Claro que ficamos pouquíssimo tempo nessa área, já que é o lugar onde tem mais radiação. Logo após a explosão, começaram a construir um sarcófago para conter a radiação e a obra foi concluída em novembro de 1986. Mas ela não era uma solução permanente e tinha um tempo de eficiência estimado em 20 anos. Um ano após expirar esse prazo, 46 países se uniram para planejar a construção de um novo sarcófago e as obras tiveram início em 2011. O dito cujo fica ao lado do reator, mas o guia falou que nós não poderíamos fotografar. A estrutura em forma de arco mede 250m de largura por 165m de comprimento e pesa 30.000 toneladas. Depois de pronta, ela será arrastada para cima do reator por uns trilhos e esse processo vai levar uma semana. Diz a lenda que a construção termina em 2016, mas esse prazo já foi adiado várias vezes, então não se sabe se dessa vez ele será cumprido. Nesse ponto do passeio a bateria da câmera acabou (e eu esqueci a reserva no carregador…), então as próximas fotos foram feitas com o celular e editadas com o VSCOcam.

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Voltamos para o carro e partimos em direção à Prypiat, a cidade fantasma que fica a 3km da usina. Ela foi construída especialmente para os 50.000 funcionários da usina e suas famílias morarem. A idade média dos habitantes era de 26 anos. Alguns tinham saído direto da faculdade para trabalhar na construção da usina. Era uma cidade considerada muito moderna e um ótimo lugar para viver comparado a outras cidades da União Soviética. As fotos acima são da placa na entrada da cidade, da roda gigante do parque de diversões (que ia ser inaugurado 2 dias após a data do acidente), e do centro de cultura. Mas nós também visitamos o departamento de polícia e o corpo de bombeiros. Nesse link você pode ver fotos de como era a cidade antes do acidente, além de várias informações sobre Chernobyl. É grande, mas vale muito a pena ler caso você queira entender direitinho como tudo aconteceu.

O passeio terminou com um almoço na cantina que funciona lá e a comida é ok. Antes de deixar a área de exclusão, você precisa passar pelos aparelhos detectores de radiação. Apesar do guia só avisar para não fazer as coisas depois que eu já tinha feito (“não pode entrar aí!”, “não pisa no musgo porque absorve muita radiação”), o aparelho não detectou nenhum nível anormal de radiação em mim (Ufa!). Portanto, foi tudo muito tranquilo, a única parte ruim foi o banheiro. Teve um momento que eu já não estava me aguentando e tive que enfrentar a famigerada casinha. É, minha gente, o banheiro é um buraco no chão coberto por uma casinha de madeira. Sorte dos homens que não precisam agachar para fazer as necessidades. Mas tudo bem, sobrevivi.

Conclusão: é um passeio inusitado? Sim. É interessante? Sim. Valeu a pena? Sim. Não acho que seja uma experiência pesada como Auschwitz e acho besteira deixar de fazer por medo da radiação. Esse vídeo mostra que a radiação em Chernobyl é menor que a radiação à qual somos submetidos em uma viagem de avião. Se você quer saber mais sobre o assunto, recomendo esse documentário que faz uma reconstituição do acidente baseado no depoimento dos sobreviventes. E para entender um pouco sobre radiação, recomendo esse programa que explica desde a descoberta dessa energia tão poderosa e perigosa. E claro que Chernobyl não poderia ficar de fora desse programa. Ele não está disponível no youtube, então é preciso baixar. Para finalizar, recomendo o canal Destino Incomum que tem 3 vídeos da visita que eles fizeram a Chernobyl e Prypiat, além de um sobre Kiev. Eles fizeram o passeio de 2 dias, então viram bem mais coisas que a gente (o novo sarcófago aparece no vídeo) e vale a pena conferir.

E assim terminou a nossa primeira road trip pelo leste europeu. Foi tudo lindo e deixou ótimas lembranças. Agora vamos começar a pensar na próxima neh!

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  • K. October 23, 2015 at 1:21 pm

    Incrível demais, Ale!
    O que mais me surpreendeu foi o fato das pessoas viverem ali, do lado de tudo isso. Nunca imaginei! Acho que eu também ficaram com dor de cabeça (psicológica) em meio a tantas recomendações de não toque nisso ou naquilo, querendo ou não, por mais que você saiba que é seguro, deve dar um medinho tenso, hahahaha. Amei o relato e sua trip! Aguardando a próxima hahahaha 🙂

    • Alessandra Araújo October 27, 2015 at 11:13 am

      No programa que eu citei no final do post, o apresentador até entrevista um dos idosos que vivem lá, Kah.

  • Lucas Neri October 23, 2015 at 4:02 pm

    Muito legal Alessandra!
    Esses lugares são realmente inexplicáveis até estar neles.
    Também tenho uma grande vontade de conhecer estas áreas que perdemos para o capricho da natureza que agora a remolde-la a sua vontade.

    • Alessandra Araújo October 27, 2015 at 11:15 am

      Oi Lucas, na verdade esse lugar ficou assim por conta de erro humano mesmo. Agora a natureza está tomando conta.

  • BA MORETTI October 27, 2015 at 6:05 am

    que daora conhecer um pouco mais esse lugar. desconstruir essas ideias pesadas e esquisitas de filmes de terror. chernobyl sempre me deixou curiosa e confesso que a primeira coisa que pensei quando comecei a ler o psot foi: meudeus e a radiação? fiquei querendo conhecer também depois desse teu post ♥

    • Alessandra Araújo October 27, 2015 at 11:20 am

      Depois de quase 30 anos, a radiação já diminuiu um pouco, mas ainda vai levar MUITO tempo para ela sumir de vez. A exposição tem que ser muito grande pra você ter algum problema. Eu tô aqui vivona ó! Hahaha

  • Bárbara Hernandes October 27, 2015 at 3:19 pm

    Alessandra, que passeio inesquecível, hein? Eu vi um documentário uma vez nesses programas de viagem de canal a cabo sobre Chernobyl e fiquei impressionada com o lugar e tal. Eu ficaria com medinho da radição, mas acho que pra fazer uma visita assim é tranquilo, né? Agora, fiquei impressionada em saber que ainda tem gente que mora e trabalha por ali… surreal! O guia chegou a dizer se algum dia essa região não terá mais radiação nenhuma?

    • Alessandra Araújo October 27, 2015 at 3:43 pm

      Para visitar por um curto período de tempo é tranquilo, Bárbara. O guia não chegou a dizer nada sobre se essa região ficará sem radiação algum dia, mas no programa que eu citei, explica tudo sobre o urânio. Esse elemento tem uma meia vida (tempo que leva para reduzi-lo à metade) de bilhões de anos. Pode ser que eu tenha falado besteira, afinal, nunca fui muito boa em química. Então é melhor assistir o programa que eu citei que explica tudo bem direitinho. Inclusive o cientista visitou o lugar mais tenso de Chernobyl nesse programa, o hospital onde ficaram os bombeiros. Lá o nível de radiação é absurdamente alto.

  • Taís October 27, 2015 at 7:20 pm

    Ai, ALe!! Como esperei por esse post e ver como foi tua experiência por lá! Ameeeei *_*
    Eu também super ficaria tensa e com medo, mas quero muito um dia ir conhecer lá sim e ler seu relato só me deixou com mais vontade. Pra fazer passeios assim eu super topo, agora imagina morar por esse região, como vc falou que tem gente que mora.. isso eu não sei se eu me arriscaria a morar tão proximo..
    Suas fotos estão incríveis também, alias, todos os seus posts sobre a roadtrip estão muito legais, amei todos <3 E que venha a próxima! 🙂

    • Alessandra Araújo October 27, 2015 at 7:46 pm

      Morar é só para esses velhinhos mesmo que não quiseram sair de lá. Tem as casinhas e tal bonitinhas com o nome da família que mora lá. São pessoas que não têm mais nada a perder, daí resolveram continuar. Se você tiver curiosidade de ver o reator, não pode demorar muito pra visitar porque depois que cobrirem com o novo sarcófago, já era. E obrigada pelo elogio! 🙂

  • Ana November 20, 2015 at 8:50 pm

    Que texto rico em detalhes, Alê! Adorei ler sobre sua experiência em Chernobyl . As fotos estão lindas, como sempre. Mas a que mais adorei é a do sapatinho na janela, mesmo sabendo que ela possa ter sido colocada lá pra criar esse ar dramático. Eu toparia demais visitar esse lugar, que já ouvi falar muito nas minhas aulas de química na faculdade 🙂
    Parabéns pelo super post, está d+.
    beijos

    • Alessandra Araújo November 20, 2015 at 8:59 pm

      Fiz muitas fotos lá, Ana. Foi até um pouco difícil escolher as que entrariam no post. Acho que você ia gostar bastante desse passeio e se tiver oportunidade, aproveite. Beijos e obrigada novamente pelos elogios. 🙂

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  • Sandra November 22, 2016 at 4:24 pm

    Relato incrível bem como o registo fotográfico! Esta ano visitei a Rússia, para o ano pretendo visitar a Ucrânia, Polónia e Bielorrússia. Este passeio a Chernobyl já estava na minha lista de locais a visitar e agora fiquei ainda com mais vontade de ir. Muito obrigada pela partilha. Conheci hoje o seu blog e estou a gostar muito, vou continuar a explorar e seguir! *

    • Alessandra Araújo November 22, 2016 at 4:48 pm

      Oi Sandra, seja muito bem vinda! Ainda não conheço a Bielorrússia e a Rússia, mas acredito que você vai gostar de conhecer a Ucrânia. 🙂

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    […] fazemos em dois, três anos.” O que o livro não conta, e que eu só fiquei sabendo quando visitei Tchernóbil em 2015, é que os reatores 1, 2 e 3 continuaram funcionando após o acidente. Antes de 1986, já havia […]

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    […] Finalmente assisti a comentadíssima minissérie da HBO sobre o maior acidente nuclear da história. Lógico que não podia faltar um post sobre essa minissérie depois de passar mais de 4 anos registrando minha experiência morando no país onde tudo aconteceu. Fiz a foto acima em agosto de 2015, quando visitei a zona de exclusão. O novo sarcófago só ficou pronto em 2016, então ainda vi o reator 4 com a cobertura que foi construída em 1986 e você pode conferir as fotos e ler o relato dessa experiência clicando aqui. […]

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